sábado, 3 de setembro de 2011

Os arquétipos, o inconsciente coletivo e o aspecto feminino


"Cada homem sempre carregou dentro de si a imagem da mulher; não a imagem desta ou daquela mulher, mas uma imagem feminina definitiva." - Carl Jung


No texto “o desapego” escrevi de forma superficial sobre o simbolismo da carta “A Roda” do tarô mitológico, então agora senti a necessidade de explicar um pouco sobre linguagem simbólica e os mitos, a fim de mostrar a credibilidade e importância que a interpretação das imagens simbólicas têm para nós, e também para o melhor entendimento de assuntos futuros.

Antes disso é importante colocar na mesa o significado do termo arquétipo, este conceito é fundamental para o entendimento dos símbolos e dos mitos.

No sentido não psicológico ou comum, arquétipo tem o simples sentido de modelo, protótipo ou forma matriz.

Já do ponto de vista tratado aqui, o sentido é basicamente o mesmo, mas aplicado a um conceito sutil, por se tratar de uma ideia que leva a compreensão do misterioso funcionamento da psique humana, o termo adquire um sentido mais profundo e amplo do que uma simples definição etimológica.

Na época moderna, o conceito de arquétipo foi reconhecido por Adolf Bastian, pelo nome de “idéias elementares”, mas a denominação “arquétipo” foi introduzida e mais desenvolvida nos estudos modernos pelo psiquiatra/psicólogo Carl Gustav Jung. A ideia em si já era conhecida em outros tempos(com algumas diferenças), por exemplo, pelos filósofos neoplatônicos, pelo nome de “mundo da ideias” sobre o qual falava Platão, e com certeza também por sábios de antigas épocas que se perderam nas névoas do tempo.

Sabemos que a psique humana é uma composição de duas “condições”, formadas pelo que esta inconsciente e o que esta consciente, acho incrível como hoje em dia ainda há pessoas arrogantes o suficiente para negar a existência do inconsciente, é como afirmar que temos total conhecimento e domínio da psique humana, além de ignorar os estudos de grandes pensadores como Freud e Jung.




De uma forma bem pobre de explicar, o inconsciente é como um mar profundo de onde lá do fundo submergem os “objetos” para a consciência (superfície), os objetos sendo os fenômenos psíquicos que brotam do inconsciente, do desconhecido. Ambos, consciente e inconsciente existem num estado de interdependência e bem-estar.

Jung propôs nos seus estudos a ideia de uma divisão do inconsciente, porque percebeu a 
existência de uma camada mais profunda do que a do inconsciente pessoal, este inconsciente mais profundo seria por outro lado, impessoal, ele o denominou inconsciente coletivo.

"A forma do mundo em que o homem nasceu já está dentro dele como imagem virtual.” - Carl Jung

O inconsciente pessoal (inconsciente de Freud) é uma camada formada pelo que foi esquecido ou reprimido e assim ficou inconsciente, é o que a pessoa adquiriu consciente ou inconscientemente, como por exemplo, impressões surgidas dos primeiros anos de vida, são então materiais de natureza pessoal, porém, Jung por meio de suas analises percebeu que na psique também podem ser encontrados materiais anômalos submergidos do inconsciente, ou seja, de natureza completamente estranha à pessoa, sem vestígios de origem e natureza pessoal.

O inconsciente coletivo é a origem desses materiais evidentemente sem nexo com experiências pessoais, é a camada mais profunda e impessoal do inconsciente, é coletivo porque ao contrário do outro, este não é formado por materiais adquiridos pessoalmente, mas sim por materiais universais e originários cujas representações são encontradas em culturas de diferentes lugares e épocas do mundo, sendo assim, esses materiais que estão contidos no inconsciente coletivo e são os arquétipos, ou ideias de base.



"Até o ponto que podemos compreender, o único propósito da existência humana é acender a luz do sentido na escuridão do mero ser." - Carl Jung

As imagens primordiais (arquétipos) são ao mesmo tempo compostas por sentimento e pensamento, e a maior evidencia da existência dessas imagens é o fato de que elas formam os padrões “instintivos” de comportamento humano, podemos perceber isso observando as ideias em comum encontradas nas artes e em mitos de variados sistemas filosóficos e religiosos de diferentes civilizações e épocas, os arquétipos surgem correnpondentemente na consciência de pessoas diferentes em forma de imagens simbólicas (também pelo simbolismo dos sonhos) como constatou Jung com suas análises, o estudo dessas imagens simbólicas é um dos principais focos da psicologia analítica e uma via para o autoconhecimento do ser humano, pessoal e coletivamente.

A consciência pessoal é como um edifício construído sobre as bases do inconsciente coletivo, neste estão as formas “imateriais” às quais os fenômenos psíquicos tendem a se moldar, paradoxalmente os arquétipos são modelos sem forma ou amorfos, como uma forma de gelo também sem forma, mas que ao mesmo tempo servem de matriz para o desenvolvimento da psique. 



- Como essas matrizes podem dar formas se são amorfas?

 O melhor que posso fazer é dar um exemplo de arquétipo.

Um exemplo de arquétipo que é profundamente arraigado no inconsciente coletivo da humanidade é o da Grande Mãe, a Maternidade Divina.

Com uma observação um pouco mais atenta, podemos facilmente perceber que a natureza é essencialmente organizada e composta por dois gêneros e polaridades: Sol/Lua, Masculino/Feminino, Ativo/Passivo, Calor/Frio, Dia/Noite, Pólo Positivo/Pólo Negativo etc...e correspondentemente a essas energias(pólos de uma mesma linha) estão também Fogo/Água.

Todas as divindades relacionadas à Lua são predominantemente femininas em diversas culturas, seu ciclo de 28 dias corresponde ao ciclo reprodutivo da mulher, por esse e outros motivos as mulheres das antigas tradições tinham uma ligação muito forte com a Lua.
 
Algumas filosofias ensinam que o Universo se manifestou pela ação de uma força sobre outra, os Sacerdotes do antigo Egito as denominavam de RA (masculino/ativo/fertilizador) e MA (feminino/passivo/gerador), de forma semelhante estão representadas as duas forças no Tei Gi, dentro do universo manifestado, o movimento do Yin e do Yang, mas como escrevi em outro post, são polaridades de uma mesma coisa, Deus e Deusa são expressões do que permitiu de o UNO se manifestasse, foi a divisão primeira.

A própria palavra MA indica MATTER(MOTHER,MÃE) MATER, MATÉRIA, para o homem nativo a Grande Mãe é associado à terra que o nutre e gera.
Esse aspecto feminino de forma ampla é o da Grande Mãe, e mesmo que um povo se desenvolva isolado em uma ilha, em algum momento irá aparecer uma figura representativa da Grande Mãe, para preencher o ‘’buraco psíquico’’.

"A Deusa Mãe está presente em todo o Universo como uma das polaridades da existência. Na terra ela é cultuada como a Grande Mãe, chegando o próprio planeta ser chamado de “Mãe Terra”, um dos aspectos é a Natureza."

Algumas linhas de pensamento dizem que o principio feminino foi retirado das religiões cristãs e que mais tarde foi suprido pela figura de Maria, mesmo que esta não faça parte da trindade superior.

A trindade cristã é composta por Pai, Filho e Espírito Santo, normalmente se presume que o terceiro elemento deveria ser a Mãe. No cristianismo gnóstico primitivo, o terceiro elemento da trindade (Espírito Santo) era representado por Sophia, uma representação feminina, e também na própria tradição hebraica mostra que na denominação 'Espírito Santo' a palavra espírito(Ruach) é feminina, pois é precedida por ''Achath''(feminino, não Achad, masculino) mas aqui não vale a pena se aprofundar nesse assunto e nem no porque que ainda hoje em dia algumas religiões(como o protestantismo) fazem questão de negar qualquer coisa que leve a ideia do Sagrado Feminino, mesmo que a própria Bíblia não contradiga a ideia, se apoiada por uma leitura menos literal e desvinculada do pensamento machista judaico-cristão, pensamento que no passado causou uma grande perseguição aos cultos ao Sagrado Feminino.

Uma leitura menos literal da Bíblia revela um profundo significado simbólico, por exemplo, o trecho ‘’e o Espírito de Deus pairava sobre as águas’’: a água é um elemento que quase sempre esta presente nos mitos da criação do Universo de muitas culturas, uma leitura literal levaria a pessoa a pensar em um espírito de um grande homem flutuando pelo oceano, porém, com a compreensão de que a água tem uma intima ligação com o aspecto feminino, o entendimento da frase começa a tomar outro caminho...mas isso é um assunto de mitos cosmogônicos, reservo pra outro momento.

Podemos perceber que em basicamente todas as culturas e diferentes épocas existe sempre a figura da Grande Mãe, seja qual nome que for dado, Ísis, Lakshimi, Pacha Mamma, Deusa, Demeter, Flora, Gaia, Freya...todas têm características em comum, mas que na verdade, não existe um arquétipo definido para nenhuma dessa figuras, mas sim um arquétipo universal e sem forma da Grande Mãe, a essência onde todas as figuras se encaixam, todas as deusas são uma única, múltiplas manifestações da Grande Mãe.

Tabela compilada pelo Projeto Mayhem, com representações semelhantes em diferentes mitos e artes, estas são representações correspondentes a Malkuth, a Mãe Inferior (reflexo ''invertido'' da Mãe Superior) que gera e nutre o corpo físico, mas ao mesmo tempo é a prisão do homem na matéria, a ilusão, Maya.

No meu entendimento no momento, são imagens que buscam representar a Mãe Superior, o principio feminino da divindade, geradora e nutridora da vida, porém com diferentes roupagens de culturas diversas, juntamente também com diferentes graus de elevação e compreensão do que possa vir ser a representação da Grande Mãe de forma plena, já que a ideia de Grande Mãe, assim como tudo no universo, também tem as duas faces da moeda(Princípio da Correspondencia e Polaridade), a Mãe Superior e a Mãe Inferior, esta ultima que não tem relação com nossa mãe biológica mas sim com a ideia da matéria como nutridora do corpo físico e causadora da limitação dos sentidos que aprisionam e separam o homem da verdadeira Realidade(realidade espiritual), que transcende os sentidos, de forma genérica é um conceito semelhante ao Mundo de Maya dos orientais, e a Caverna de Platão dos ocidentais.

O próximo texto que eu postar seguindo a linha deste será a respeito da linguagem simbólica e dos mitos, pra quem se interessou pelo assunto, vale a pena esperar. =]

Nenhum comentário:

Postar um comentário